Claudya. A “rival” de Elis Regina criada por Ronaldo Bôscoli.

“Na briga entre o mar e o rochedo, sobra sempre para o marisco”. Essa frase reflete bem  a história da Cantora Cláudya, que, sem querer, foi posta, aos 17 anos, na condição de rival de Elis Regina, então cantora já consagrada, vencedora de festivais e âncora de um dos programas de maior audiência na época, “O fino da bossa”. 

Quem tramou essa rivalidade foi Ronaldo Bôscoli (que, ironicamente, viria a se tornar marido de Elis no futuro), que juntamente com Miele, pensaram num título para um show de Cláudya, ainda iniciante, cujo título seria:  “QUEM TEM MEDO DE ELIS REGINA?” 

Claudya e Elis, em foto do blog de Claudya

A Cantora Claudya, numa entrevista à Revista Época,  esclareece que se recusou a fazer tal show, se o título não fosse modificado. Diz ela:  

ÉPOCA – Você e a Elis sempre foram apontadas como rivais. Até que ponto isso era verdade? 
Claudya –
 Eu nunca vi a Elis como rival. Via como uma ótima cantora. O que aconteceu foi que o Ronaldo Bôscoli (produtor musical), na década de 60, me chamou para fazer um show chamado “Quem tem medo de Elis Regina”. Fui conversar com ele e disse que não podia fazer esse show. Eu queria fazer um show para divulgar o disco que eu estava lançando. Acho que ele tinha alguma mágoa com a Elis. Nunca entendi qual era o objetivo dele. Mas o fato foi que a Elis ficou sabendo e me convidou para participar do Fino da Bossa, programa que ela apresentava na Record. Ela me questionou no palco. Eu respondi que não tinha medo dela, só admiração, e que havia recusado o convite do Bôscoli. Mesmo assim, eu fui vaiada durante cinco minutos pelo público que estava no Teatro Record. Tive que esperar as vaias pararem para poder cantar. No dia seguinte, a imprensa toda acabou comigo. Nem fizeram questão de esclarecer que o show havia mudado de nome, passou a se chamar “Claudya não se aprende na escola”, título tirado de uma das músicas que estava no disco. Passei por maus pedaços. Foi muito feio o que fizerem comigo. Eu paguei uma pena muito grande dentro da música brasileira. Até hoje não me sinto inserida nela. 

ÉPOCA – Mas você acha que a Elis a convidou para o programa apenas para tirar satisfação?

Claudya –Não sei o que passou na cabeça dela. O Fino da Bossa era um dos programas mais assistidos do Brasil e o que aconteceu me prejudicou muito. Eu era uma menina, tinha apenas 17 anos. Estava começando minha carreira. Era arrimo de família e precisava dar assistência a minha família. Eu passei fome. Nunca falei isso antes, mas não vejo mais motivos para esconder. Lembro minha mãe indo à TV Record pedir para o Marcos Lázaro, meu empresário na época, esclarecer tudo, mas ele não fez nada para me ajudar. Até hoje os fãs de Elis têm raiva de mim.

No seu blog pessoal, ela aprofunda mais: 

Muitas pessoas me perguntam até hoje se esse show aconteceu e não sabem que não aconteceu com esse nome e sim com “CLAUDYA NÃO SE APRENDE NA ESCOLA”.

Fui muito prejudicada, todas as portas foram fechadas e eu tive que fazer um exílio forçado.

Fui questionada ao vivo pela própria Elis no programa, e mesmo expressando meu descontentamento explicando o que havia acontecido  que eu havia me recusado a fazer o espetáculo com esse nome, no dia seguinte em letras garrafais a mídia anunciava:

Claudya aproveitadora, Claudya imitadora da Elis, Claudya brigou com Elis e etc.

Recentemente a jornalista Regina Echeverria escreveu uma grande mentira em seu livro “Furacão Elis” dizendo que eu empurrei a cantora no poço da orquestra.

Esta senhora não me pediu sequer autorização para colocar meu nome no livro e sequer me entrevistou para saber da veracidade dos fatos

Eu tinha muito medo de falar alguma coisa na época pois em não falando nada me acusaram de coisas que eu jamais fiz e também porque tinha muita gente envolvida nessa trama. Pessoas que estavam doentes na época que já faleceram que não estão mais aqui para se defenderem.

Que poder eu teria? Uma menina de 17 anos vinda de uma cidade do interior, contra a grande e maior cantora do Brasil, que tinha um império a seus pés, que tinha a televisão Record, que comandava o maior programa da televisão brasileira.

Foi lamentável, foi triste muito triste mesmo, porque eu era apenas uma menina que queria vencer, que queria galgar,que queria saltar os muros que queria cantar, cantar prá viver viver a cantar.

E sinto que até hoje sou tolhida desse sentimento divino do poder de doar cantando a tantas pessoas que precisam do meu cantar.

Esse é o problema do rochedo com o mar. Errou Bôscoli, que na época tinha uma mágoa pessoal de Elis Regina (que ele revelou na biografia Eles e Eu); errou Elis Regina, que de modo absolutamente passional e sem dar qualquer chance de defesa à então adolescente Claudya, promoveu o seu linchamento público em horário nobre. 

O episódio foi o seguinte:

Ronaldo Bôscoli e Miele organizaram um show para Claudya com o título de “Quem Tem Medo de Elis Regina?” A cantora não quis e o nome foi modificado para “Claudia Não se Aprende na Escola”. Pouco tempo depois, quando compareceu para cantar no “Fino da Bossa (apresentado por Elis)”, foi tratada com crueldade por Elis Regina logo na apresentação.

“Agora, eu quero apresentar a vocês uma menina que começou a carreira aqui no meu programa. O nome dela é Maria das Graças e ela quer agora fazer um show no Rio de Janeiro chamado ‘Quem Tem Medo de Elis Regina?’” Claudya foi vaiada “por cinco minutos” pelo público.

E o marisco, Claudya, levou anos para conseguir erguer sua carreira, abatida no nascedouro. Fez relativo sucesso nos anos 70, mas sua suposta rivalidade com Elis sempre será lembrada.  

Fontes: http://claudya2010.blogspot.com.br/2010/02/claudya-e-elis.html

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI255002-15220,00.html

terça 22 janeiro 2013 10:58 , em “Rivalidades” Musicais

“Bicho” (1977) – um dos (muitos) cancelamentos de Caetano. A briga com a imprensa e a patrulha ideológica

O cancelamentos em redes sociais no Século XXI é um fenômeno aparentemente inexorável. Já se fala em “cultura do cancelamento”, como uma espécie de boicote coletivo e difuso a partir de determinada atitude ou opinião expressada; o cancelamento, pois, é uma manifestação pública de censura a uma empresa, artista, atleta e celebridade (ou subcelebridades) em geral.

Esta execração pública, que hoje é difusa e se manifesta pelas redes sociais, era promovida no Século XX pela mídia, quando não concordava ou criticava o posicionamento de determinado artista.

Este fenômeno ocorreu com Caetano Veloso, em 1977, quando ele lançou o disco “Bicho”.

O disco contém algumas canções que se tornaram verdadeiros clássicos de Caetano, como “O Leãozinho” “Tigresa” e “Alguém cantando”. No entanto, provocou uma verdadeira saraivada de críticas da imprensa, que cobrava de Caetano uma postura politicamente mais engajada.

O contexto da época: Em 1977, o Brasil ainda estava sob o regime militar. O presidente era Ernesto Geisel, que prometia uma chamada “abertura lenta, gradual e segura” como forma de transição para um futuro governo democrático.

Não obstante, em 1º de abril de 1977, o Brasil acordou sem Congresso Nacional. O presidente Geisel se valeu do Ato Institucional 5 (AI-5), que não era usado desde 1969, para colocar o Parlamento em recesso, anunciando, no mesmo mês, um conjunto de medidas conhecido como Pacote de Abril, composto por uma emenda constitucional e seis decretos, tudo isso para assegurar maioria na Câmara e no Senado à ARENA, partido do governo.

Neste contexto, o álbum teve uma repercussão negativa justamente por ser considerado “alienante”, pois sua proposta era dançante e sem engajamento político. Numa reportagem de Claudia Arrigoni, no Jornal do Brasil em, 1977, Caetano afirmou:


Passei 12 dias na Nigéria curtindo o Festival de Arte Negra. Agora vou lançar um disco para todo mundo dançar. Eu acho bacana essa coisa de dançar, gosto muito. Talvez eu não seria capaz de fazer esse tipo de música muito bem, mas pensando bem, esse não é um disco para dançar, só feito por alguém que gosta de dançar. Entendeu? Na África, as pessoas dançam e isso é bacana.

O show, em consequência do álbum se chamava Bicho Baile Show, numa clara alusão de que seria um espetáculo para as pessoas dançarem, no qual Caetano seria acompanhado da Banda Black Rio.

Mas a repercussão não foi positiva, como conta Paulo César de Araújo no Livro “Eu Não Sou Cachorro Não – Música Popular Cafona e Ditadura Militar

O caso Caetano Veloso é exemplar. Em 1977- ano em que os militares comemoravam os “13 anos da revolução” e que a sociedade civil protestava, o cantor lançou o LP “Bicho”, que indicava uma opção preferencial pelo prazer e trazia na faixa de abertura um quase manifesto: “Deixa eu dançar / pro meu corpo ficar odara…” Palavra do dialeto ioneba (africano), odara, segundo o próprio Caetano, significa “estar bem”, “sentir-se feliz.

Nas entrevistas à imprensa o artista dizia que não tinha maiores interesses por assuntos políticos e reiterava que aquele era um disco “de quem gosta de música para dançar”. Aí é que estava o problema. “Dançar, nesses tempos sombrios?”, indagava a jornalista Ana Maria Bahiana. Um outro jornalista, indignado, afirmava que Caetano “não tinha o direito de pôr uma roupa colorida e sair brincando por aí, dizendo que está tudo bem, isso é oba-oba inconsequente

O ápice do patrulhamento ocorreu durante a temporada do espetáculo Bicho Baile Show, no qual Caetano era acompanhado pela Banda Black Rio – grupo carioca que propunha a fusão do samba com elementos do jazz, soul e funk. A jornalista Margarida Autran dizia que “o artista não pode alienar-se da realidade que o cerca” e que por isso Caetano Veloso não tinha o direito “de não ler jornais, de declarar publicamente nada saber do que se passa em termos políticos – no Brasil e no exterior e, consequentemente, de apresentar um espetáculo como o que está em cartaz no teatro Carlos Gomes, irresponsavelmente ‘feito para dançar’. E que, afinal, nem para dançar serve”. Ela concluía afirmando que ao seguir o rastro do sucesso da Banda Black Rio, o show de Caetano não passava de uma “oportunista e malsucedida incursão ao alienado clima que hoje embala os subúrbios cariocas”.

Vale a pena citar trechos de algumas reportagens sobre o tema:

Luís Carlos Cabral – Revista POP (1977) – Não acredito que Bicho gerasse tanta controvérsia se tivesse sido editado em época de maior silêncio geral. A geral, porém, se agita, e precisa de solidariedades unânimes. Brasil à parte, o poeta Caetano Veloso continua exercitando a sua fina sensibilidade,

Maria Helena Dutra (Jornal do Brasil) – “Afastemos, porém, e outra vez, das ciladas de discutir e refletir sobre conteúdos porque afinal esse show foi feito para esquecer, já que não atinge mesmo sua desejada finalidade de ‘feito para dançar'(…) Parodiando o exímio artista da palavra, o sempre gostável e também senhor Caetano Veloso em sua música Tigresa: ‘As garras do artista Caetano nos marcaram o coração. Mas as besteiras de menino que ele disse, não’.”

Jary Cardosos (Folha de São Paulo)O baiano não esperava uma agressividade tão grande por parte dos críticos em relação às suas propostas dançarinas (‘O certo é dançar’, diz uma de suas músicas) e ‘alienantes’ (o que ele não concorda).

Esta Patrulha ideológica contra Caetano tinha na Canção Odara seu símbolo maior: uma canção livre, leve e solta, certamente inspirada na viagem que Caetano e Gil fizeram a Lagos, na Nigéria, para participar do II Festival Mundial de Artes e Cultura Negra (Festac). Então, se trata de uma música para cima, alto-astral, que cultua o prazer. Caetano, sobre a canção, falou ao Jornal do Brasil : “Quando comecei a gravar o disco, estava convencido de que Odara era a mais bonita das canções que tinha feito ultimamente. Até hoje, ainda não encontrei bons argumentos em contrário

Mas a patrulha ideológica foi implacável: caetano, preso durante a ditadura e exilado, não teria o direito de cantar a felicidade. Teria um dever de engajamento. Luciana Xavier de Oliveira, no seu escrito “Disputas ideológicas, cultura negra e jornalismo cultural: a crítica musical carioca e os bailes de soul dos anos 1970”, pondera:

O debate em torno das patrulhas ideológicas se refere a um momento muito particular dos anos 1970, em que intelectuais e formadores de esquerda deliberadamente passaram a cobrar uma arte engajada, criticando manifestações que não se enquadrassem em um viés de contestação política. As patrulhas ideológicas estabeleciam claramente uma distinção de valor entre “músicas para dançar” e “músicas para pensar”. Caetano denunciava os cadernos de cultura dos principais jornais e revistas do país, que seriam dominados por uma esquerda repressora representada por críticos que pretendiam policiar a música popular no Brasil. Se os próprios integrantes da MPB poderiam ser criticados por produzir canções e discos que privilegiassem a festa, a alegria, o ritmo e a dança, o que dirá de todo um movimento periférico, popular, baseado em bailes, nos quais se ouvia e se dançava música americana? Risério (1981, p. 32) ainda complementa: “Pior ainda é que esses setores supostamente ‘progressistas’ falavam em nome das massas oprimidas do país exatamente para condenar uma das manifestações estéticas e sociais mais vivas dessas mesmas massas oprimidas.

Paulo César de Araújo prossegue:

Como se vê, mais do que a música em si, os críticos analisavam as atitudes, as opiniões, os posicionamentos políticos de Caetano e Gil. Contra isso insurgiu-se Caetano Veloso numa polêmica entrevista ao Diário de São Paulo. Ali ele afirmou que os cadernos de cultura dos principais jornais e revistas do país eram dominados por uma “esquerda medíocre, de baixo nível cultural e repressora” que pretendia policiar “essa força que é a música popular no Brasil”. E Caetano exemplificava citando nominalmente quatro críticos musicais: Tárik de Souza, José Ramos Tinhorão, Maurício Kubrusly e Maria Helena Dutra, que, segundo ele, distribuíam estrelinhas a discos e shows “fingindo que estão fazendo um trabalho da revolução operária, e se acham no direito de esculhambar com a gente, porque se julgam numa causa nobre; quando não tem nobreza nenhuma nisso“.

Para Caetano, seus críticos não tinham autoridade para questionar nenhuma atitude dele porque “são pessoas que obedecem a dois senhores: um é o dono da empresa, o outro é o chefe do partido” e que por isso eles se expressariam numa “linguagem completamente esquizofrênica”, de difícil assimilação para o leitor.

Ninguém entende os artigos que os imbecis escrevem porque é uma mistura de Roberto Marinho e Luiz Carlos Prestes.” Chamando a crítica militante de “canalha”, Caetano dizia que “se eles não se tornarem uma União Soviética e mandarem me matar, não conseguirão jamais nada comigo, a não ser que eles ganhem os tanques. Se eles tiverem os tanques nas ruas, nas mãos deles, aí eles poderão me impedir em alguma coisa. Fora isso, é impossível” porque “eles não são de nada. É uma canalha que eu digo que vou acabar, que a gente já acabou, já matou, são defuntos que fingem que estão vivos”.

Na contramão da crítica, Tarso de Castro afirmou em 31 de julho de 1977: Mas é realmente formidável que agora se esteja vivendo o repeteco das perseguições a Caetano Veloso. Ah, que belos críticos temos: se não se especializaram em música são totais admiradores do próprio fascismo. (…) Falemos de uma coisa boa: ‘Bicho’, de Caetano Veloso, é um disco lindo, limpo, de uma correção assustadora, irritante“.


Mais tarde, em 1991, Caetano Veloso, em reportagem de Marcia Cezimbra no Jornal do Brasil, apontava: Odara é uma confissão de namoro com as discotecas. Eu me sentia bem em me aproximar do movimento Black Rio que surgia na época, quando começaram os grandes bailes funks. Tinha voltado de uma excursão na África com o Gil, onde tive contato com a juju music da Nigéria. É um disco histórico, porque traz pela primeira vez a juju music para o Brasil em Two naira fifty kobo, que era o preço que a gente mais ouvia na Nigéria e o apelido do motorista que nos acompanhava. Fiz a música pensando no motorista. Tem Um índio, com uma levada reggae. Tem Leãozinho, deslumbrante. Uma vez fui cantar numa assembleia não sei de quê na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Ia fazer um número para animar as pessoas, igual ao dessas, cantoras que cantam para os soldados na guerra, e recebi um bilhete de que levaria porrada se cantasse Leãozinho. Na hora ia cantar, mas fiquei com medo. Nem sabia direito que manifestação era aquela. Foi um amigo que me pediu para ir. Tem Tigresa, que cita na letra a discoteca Dancin’ Days, uma boate do Nelson Motta que eu adorava. Aliás, eu encontrava muito desses críticos de esquerda dançando nas discotecas.”

O tempo terminou fazendo com que Bicho, a despeito de todas as críticas, permanecesse. Não sei se poderia ser considerado propriamente um disco dançante. muitas de suas canções são canções para serem ouvidas. Talvez “Odara” e “Gente” seriam as músicas mais dançáveis. Mas, por outro lado, clássicos permaneceram, e “Leãozinho”, “Tigresa” , “Alguém Cantando” permanecem no repertório dos shows de Caetano até hoje.

Fontes:

Paulo César de Araújo: Eu Não Sou Cachorro Não – Música Popular Cafona e Ditadura Militar Record, 2010  

Agência Senado (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2017/03/31/ha-40-anos-ditadura-impunha-pacote-de-abril-e-adiava-abertura-politica#:~:text=H%C3%A1%2040%20anos%2C%20ditadura%20impunha%20Pacote%20de%20Abril%20e%20adiava%20abertura%20pol%C3%ADtica,-Compartilhe%20este%20conte%C3%BAdo&text=No%20dia%201%C2%BA%20de%20abril,colocar%20o%20Parlamento%20em%20recesso.)

Luciana Xavier de Oliveira – Disputas ideológicas, cultura
negra e jornalismo cultural: a crítica musical carioca e os bailes de soul dos anos 1970

https://www.ibahia.com/caetano80anos/caetano-80-anos-veja-criticas-de-cinco-albuns-do-icone-da-mpb

 

Crônicas do Carnaval da Bahia – Os Filhos de Gandhy

Poucos imaginariam que um dos símblos do carnaval da Bahia – o Afoxé Filhos de Gandhy teria se originado de um bloco carnavalesco denominado “Comendo Coentro”, tudo isso no ano de 1949. 

Na verdade, a origem dos Filhos de Gandhy vem, como sabido, dos estivadores de Salvador. A estiva representava um polo de manifestações políticas, sendo histórica a sua participação no boicote ao fascismo, e sua estreita ligação com o partido comunista.

Segundo narra Anísio Félix, no seu livro “Filhos de Gandhi – A história de um afoxé”,

Antes da Segunda Guerra Mundial, os estivadores sempre participaram ativamente das festas populares da Bahia. Eles fundaram o Terno de Reis “Robalo” e se faziam presentes, sobretudo nos festejos da Lapinha e do Bonfim. Posteriormente fundaram o “Comendo Coentro” para o carnaval. Era um bloco com instrumentos de sopro que saía num caminhão alugado. Os relatos da época dão conta de que os estivadores em sua quase totalidade, só vestiam roupas dos mais caros linhos importados e usavam chapéus “Panamá”

Fase 1 – A fundação 

No dia 18 de fevereiro de 1949, os estivadores do porto de Salvador, estavam sentados ao pé de uma mangueira perto da sede do Sindicato dos Estivadores, preocupados com a falta de trabalho nos portos e a política de arrocho salarial,  gerada pela crise do pós-guerra. A ideia original de botar um “careta” na rua, partiu de Durval Marques da Silva (Vavá Madeira), tido como o maior festeiro da turma, que também foi o responsável pelo nome em homenagem a Gandi. 

Como o dinheiro era pouco, os estivadores fizeram uma “vaquinha” para a compra de barris de mate, lençóis e couro para fazer os tamborins. 

Para evitar represálias, já que o fundador Almir Fialho deu a ideia para mudar a grafia do nome Gandi, inserindo as letras “dh” e trocou o “i” por “y”, ficando Gandhy. 

No primeiro dia, saíram apenas 36 participantes A fantasia foi um lençol branco torso de toalha felpuda, nos pés um tamanco de couro cru chamado “Malandrinha”. 

Ficou estabelecido no pimeiro momento uma decisão que se tornou decisiva no futuro: mulher não podia entrar e era terminantemente proibido o uso de bebidas alcoólicas. A explicação para as proibições era de que onde havia bebida e mulher, haveria briga e o lema do afoxé era a paz. Em relação à bebida, a tese não vingou, mas em relação às mulheres, fontes oficiosas contam que alguns membros tinham muitas namoradas, mulheres, amantes, e que se elas pudessem participar, daria confusão. 

Em 1951, foram admitidos trabalhadores de outras classes, e adotado o símbolo do camelo, símbolo da resistência e que Antonio Risério, na sua obra “Carnaval Ijexá”, associa a Xangô. 

O Filhos de Gandhy nos primeiros anos saiu cantando marchinhas até se dedicar especialmente ao ijexá

 Fase 2 – A decadência e a reconstrução

Na década de 1970, o bloco passou por seu momento mais difícil. Em 1974, o Afoxé Filhos de Gandhy chegou a fechar , por problemas administrativos e financeiros, chegando o bloco a ser despejado de sua sede. Em 1974 e 1975, o bloco não desfilou no carnaval de Salvador.

Devido a várias campanhas de incentivo de radialistas, principalmente de Gérson Macedo (Rádio Excelsior), o bloco voltou a desfilar, sob o patrocínio de alguns dos seus participantes. Sob a presidência de Camafeu de Oxóssi e com o apoio de artistas baianos, dentre eles Gilberto Gil, o afoxé retornou às ruas, no ano de 1976, desfilando com cerca de 80 homens.

Gilberto Gil, em depoimento a Antonio Risério, fala de sua ajuda ao bloco:

Só quando voltei de Londres, dentro daquele processo de retomada, de redescoberta, de sofisticação de gosto, é que fui procurar especificamente os afoxés, por que mesmo no carnaval da minha infância, eles me pareciam bálsamos, oásis de paz naquele caos da rua. Me lembro que assim que voltei, no meu primeiro carnaval aqui, me disseram que os afoxés não existiam mais. E, de fato fui encontrar uns vinte Filhos de Gandhi, com os tambores no chão , num canto da Praça da Sé. Eles não tinham mais recursos, mais força para ocupar um espaço no carnaval baiano. Fui procurá-los para entrar no afoxé. Foi como uma coisa devocional, uma promessa, uma vontade de pôr o meu prestigio para funcionar em prol daquela coisa bonita que é o afoxé. E aí saí seis anos no Filhos de Gandhi, fazendo todo o percurso das 12 horas, cantando e tocando, parando nos pontos de devoção, obedecendo à disciplina, que é muito rigorosa. E no ano passado(1980), já eram mil Filhos de Gandhi (…).

 Fase 3 – A consolidação

Atualmente, os Filhos de Ghandy são uma instituição na Bahia. É comum fazer referência ao tapete branco que se forma todas as vezes que o bloco sai nas ruas. Já é tradição ver no carnaval os famosos trajes: uma saia, uma bata, colares azul e branco e um adorno de cabeça que é costurado e ajustado em cada participante. A toalha usada na cabeça é acompanhada de um broche azul e branco no meio da testa.

Tradicionalmente, o traje é branco com detalhes em azul; o turbante, branco (com exceção de 2006, quando o turbante foi azul, e 2019, em que se incluiu o dourado no traje em homenagem aos 70 anos do bloco). Costuma-se dizer que, para ganhar um colar é preciso dar um beijo em um Gandhy. Já a alfazema que eles levam consigo também é compartilhada com quem pedir.

Segundo J. Adeilson, “Os colares, nas cores azuis e brancas, são uma reverência aos orixás Oxalá e Ogum. Durante o desfile, os colares têm um significado além daquele de simplesmente compor um figurino ou vestir uma fantasia. Tradicionalmente, os colares são oferecidos aos admiradores, simbolizando uma maneira dos Filhos de Gandhy desejarem paz durante o carnaval e no restante do ano.”

Enfim, uma das tradições mais perenes do inquieto carnaval da Bahia.

 4 – Músicas que Falam dos Filhos de Ghandy

Há diversas músicas que fazem referência ao Bloco. Vale a pena fazer uma pequena lista aqui:

  1. Filhos de Gandhi (Gilberto Gil) – Gilberto Gil/Jorge Benjor (1975)
  2. Patuscada de Gandhi – Gilberto Gil (1977)
  3. Viva os Filhos de Gandhi (Paulinho Camafeu) – Eliana Pittman (1978)
  4. Axé do Gandhi – (Moraes Moeria/Pepeu Gomes) – Moraes Moreira (1981)
  5. Alô Filhos de Gandhi (Armandinho Macedo/André Macedo) – Armandinho e Trio elétrico Dodô e Osmar (1981)
  6. Ijexá (Edil pacheco) – Clara Nunes (1982)
  7. Filho de Gandhi Afoxé (Rey Zulu/ Jaguaracy Esserre) – Banda Tomalira (1988)
  8. Grande Gandhi (Luiz Caldas/Paulinho Camafeu) – Luiz Caldas (1989)
  9. Na Luz do Gandhi (Carlinhos Brown/Alain Tavares) – Os Tropicais (1989)
  10. Olha o Gandhi aí (Tonho Matéria/Jô Vieira) – Danniela Mercury (2006)

Fontes:

“Filhos de Gandhi – A história de um afoxé”, sem editora: Salvador 1987. Anísio Félix

HISTÓRIA DO AFOXÉ FILHOS DE GANDHY J. Adeilson Repertório, Salvador, nº 19, p.215-220, 2012.2

http://alemdoqsev.blogspot.com/2011/01/historia-do-afoxe-filhos-de-gandhy_06.html

Carnaval Ijexá. . Antonio Risério. Corrupio, 1981 – Bahia

domingo 02 fevereiro 2014 16:31 , em Carnaval

103 Músicas do Carnaval da Bahia de Todos os tempos

Toda lista é polêmica. Toda lista contém injustiças e imperfeições. Toda lista contém a marca e o olhar de quem a elabora. Mas não resisti. Estava fazendo uma retrospectiva musical do carnaval da Bahia e caí na tentação (segundo Oscar Wilde, a única maneira de acabar com a tentação é cedendo a ela) de fazer uma lista das músicas baianas de carnaval.

A lista pode ser coné composta por músicas de trio elétrico. Músicas para se tocar na rua, em cima de um caminhão, com tudo acontecendo, no Campo Grande, no Farol da Barra, na Praça Castro Alves, em Ondina, na Avenida Sete, na subida do Cristo, na Casa D’Itália. Roteiros misturados de uma festa de rua.

Seria pretensioso dizer que é uma lista das mais relevantes músicas de carnaval de todos os tempos. O certo é que o recorte histórico parte de 1950, quando o bloco pernambucano Vassourinhas passou pelas ruas de Salvador e inspirou a dupla Dodô e Osmar a tocar tais frevos nas ruas com seus “paus elétricos”, no carnaval de 1951. E quando o “Passo-Double” de Dodô e Osmar, dos anos 50, transformou-se em “Pombo Correio” na voz de Moraes Moreira.

Temos frevos oriundos da dupla Dôdo & Osmar, passando por canções de Caetano Veloso, Moraes Moreira (o primeiro cantor de trio), Armandinho, retratando as diversas fases da chamada “Axé-Músic” em todas as suas variantes: samba-reggae, fricote, deboche, merengue, lambada, samba, até as mais recentes manifestações musicais do carnaval, o novo pagode baiano, as canções “arrochadas” e a inclassificável Baiana System.

Obviamente, a maior parte das canções se concentram nas duas últimas décadas do Século XX e a primeira década do Século XXI e não é por acaso: foi nos anos 80 e, sobretudo, nos anos 90 do Século passado, que a música baiana adquiriu um protagonismo nacional em matéria de música. Claro, a Bahia sempre foi protagonista em termos de música. Caymmi, Assis Valente, João Gilberto, Gil, Caetano, Gal, Bethânia, Novos Baianos, Moraes Moreira. Mas aqui estamos falando de um tipo de protagonismo diferente. Em que há um estilo musical escancaradamente alegre, para dançar. Os trios elétricos se espalharam pelo Brasil em centenas de micaretas, e a festa de rua se espalhou

Então, na busca de um critério (que nunca é objetivo), fui buscar não só os maiores sucessos de cada época, mas também aquelas músicas que permaneceram na memória afetiva de tanta gente. Conversando com pessoas, algumas delas colocavam como indispenáveis músicas que eu certamente deixaria de fora da lista. Mas a lista de 100 virou 103. Achei injusto excluir algumas musicas na lista. embora algumas outras certamente poderiam estar aqui.

Vai se buscar uma ordem (aproximadamente) cronológica. Cada música mereceria um comentário à parte, mas para não deixar a postagem muito longa, segue a lista com nome da canção, ano (que pode ser o de lançamanto ou quando tocou no carnaval), seus compositores, intérpretes, e um trecho da canção.

Elaborei uma playlist com as canções. Infelizmente, nas plataformas de streaming, duas delas não foram encontradas. E algumas outras não estão disponíveis nas versões originais. mas vale escutar

  1. Pombo Correio  (1952/1975) – Música de Dodô e Osmar em 1952. Letra de Moraes em 1975 Dodô, Osmar e Moraes Moreira – Moraes Moreira  “Pombo Correio, Voa depressa, e esta carta leva para o meu amor
  2. Atrás do Trio Eletrico (1969) Caetano Veloso – Caetano Veloso “Atrás do Trio Elétrico só não vai quem já morreu
  3. Frevo Novo (1973) Caetano Veloso – Caetano Veloso “A Praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião” 
  4. A Filha da Chiquita Bacana  (1977) Caetano Veloso – Caetano Veloso “Eu sou a filha da Chiquita Bacana, nunca entro em cana porque sou família demais”  
  5. Chão Da Praça (1979) Moraes Moreira/Fausto Nilo – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar  “Olhos negros, cruéis, tentadores, das multidões sem cantor
  6. Bloco do Prazer (1979) Moraes Moreira/Fausto Nilo – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar  “Vem meu amor feito louca que a vida está pouca e eu quero muito mais
  7. Eu sou o Carnaval  (1979) Moraes Moreira/Anônio Risério – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar  “Eu sou o carnaval em cada esquina do seu coração” 
  8.  Assim Pintou Mocambique  (1979) Moraes Moreira/Anônio Risério  – Moraes Moreira   “Assim pintou Moçambique, nesse tique nesse taque, nesse toque, nesse pique
  9. Vassourinha Elétrica (1980) Moraes Moreira – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar    “Varre Varre Varre Vassourinhas, varreu um dia as ruas da Bahia
  10. Vida Boa (1983) Armandinho/Fausto Nilo – Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar -“Tá na luz que passa pelo ar, passa também pelo seu olhar
  11. Cometa Mambembe  (1983) Carlos Pitta/Edmundo Caruso – Carlos Moura  “Quando a estrela brilhar na cabeleira e o galope acordar na beira-mar” 
  12. O Beijo (1983) Luiz Caldas/João Batera – Luiz Caldas e Acordes Verdes “Acordes Verdes Leva o povo atrás do trio Essa dança lance lança E o beijo há mais de mil”  
  13. Chame Gente (1985) Armandinho/Moraes Moreira – Moraes Moreira, Caetano Veloso, André Macedo  “É um verdadeiro enxame chame chame gente E a gente se completa Enchendo de alegría  A praça e o poeta
  14. Magia  (1985) Luiz Caldas – Luiz Caldas  “Magia, Mente de marfim, pele de cetim
  15. Fricote  (1985) Luiz Caldas  Luiz Caldas   “Pega ela aí, pra que? Pra passar batom, Que cor?
  16.  É D’Oxum (1985) Gerônimo/Vevé Calasans – Gerônimo  “Nessa cidade todo mundo é D’Oxum”  
  17. Macuxi Muita Onda (1985) Gerônimo – Gerônimo “Eu sou negão, Eu sou negão, meu coração é a liberdade” 
  18. Tiete do Chiclete (1985) Missinho – Chiclete com Banana  “Maluquete, de quem você é tiete? Eu sou, sou tiete do Chiclete
  19. Sabor de Pecado (1986) Hercules Amorim – Banda Papaléguas (Zé Honório)  “Me dá um beijo lambuzado, amor, assim, com gosto de pecado” 
  20. Merengue do Flerte (1986) Carlos Neto – Carlos Neto  “Foi só te ver, e o dia Clareou ioiô”  
  21. Tema do Cheiro de Amor (1986) Heládio/Jorge Nunes Banda – Cheiro de Amor “Sim, é um jardim mui delirante, com mil e um lances de brilho e de cor” 
  22. Frenesi (1986) Ricardo Chaves/Ademar Ricardo – Chaves, Ademar e Banda Furta-Cor   “Frenesi balançando a massa, haja folia no trio”  
  23. Crença e Fé (1991) – Beto Jamaica/Ademario – Banda Mel – “Vou dar a volta no mundo eu vou, vou ver o mundo girar
  24. Madagascar Olodum (1987) Rey Zulu  Banda Reflexu’s “Madagascar, ilha, ilha do amor” 
  25.   Gritos de Guerra (1986) Bell Marques/Vadinho Chiclete com Banana  “A esperança é uma flecha de fogo/Que faz arder no meu coração/Eu canto e grito de novo/Paz nesse mundo e união”  
  26.  A Roda (1987) Sarajane / Robson de Jesus / Alfredo Moura Sarajane “Vamos abrir a roda, Enlarguecer, Tá ficando apertadinha, por favor, Abre a rodinha, por favor
  27.  Faraó: Divindade do Egito (1987) Luciano Gomes – Olodum; Banda Mel  “Eu falei Faraó ó ó… ê faraó
  28. Haja amor (1987) Luiz Caldas/Chocolate da Bahia – Luiz Caldas “Eu queria ser uma abelha pra pousar na tua flor”    
  29. Eva (1988) Umberto Tozzi e Giancarlo Bigazzi. Versão – Marcos Fiorelli – Ricardo Chaves;  Banda Eva “Meu amor, olha só hoje o sol não apareceu” 
  30. Protesto Olodum (1988) Tatau – Olodum; Banda Mel  “Força e pudor, liberdade ao povo do Pelô, Mãe que é mãe no parto sente dor, e lá vou eu…
  31. Olodum, a Banda do Pelô (1988) Jaguaracy/Esseerre – Olodum; Banda Mel  “A banda do Pelô, arrasou no carnaval
  32. Dois neguinhos (1988) Celso Bahia/Carlão – Celso Bahia “Tem, tem, tem, tem dois neguinhos” 
  33. Beijo na Boca (1989) George Dias/João Guimaraes – Banda Beijo (Netinho) “Foi sem querer que eu beijei a sua boca, menina tão louca, eu quero te beijar
  34. Pot-Pourri Gererê/Cesta de Ovos/Tou melado (1989) Valfredo Reluzente/Adal – Gera Samba; É o Tchan “Uma cesta de ovos, 700 galinhas” 
  35. Céu da Boca  (1989) Ronaldo Marcell – Frutos Tropicais; Ivete Sangalo  “Eu vou enfiar uva no céu da sua boca, e aí, chupa toda” 
  36. A força do Ilê (1989) Paulinho Laranjeira – Ilê Ayê “Que brilho é esse, negro, me diz que é o da paz” 
  37. Eu vou no Eva (1989) Ricardo Chaves/Durval Lelys – Ricardo Chaves “Foi difícil te encontrar, morena, nas ruas de Salvadro, fissura” 
  38. Dá Licença  (1989) Buk Jones – Gente Brasileira “Bate pandeiro, cala tristeza, abre um sorriso, plante uma canção” 
  39. Pra Acabar com a solidão (1989) Carlos Neto – Cheiro de Amor  “Essa é pra acabar com a solidão, pra tocar no rádio do seu coração” 
  40. Prefixo de Verão  (1990) Beto Silva – Banda Mel “Quando você chegar, numa nova estação, te espero no verão” 
  41. Baianidade Nagô (1991) Evandro Rodrigues – Banda Mel  “Eu vou Atrás do trio elétrico vou, Dançar ao negro toque do agogô, Curtindo a minha baianidade nagô
  42. We are The world of Carnaval (1991) Nizan Guanaes – Vários artistas  “Ah, que bom você chegou, bem-vindo a Salvador, Coração do Brasil” 
  43. Swing da Cor  (1991) Luciano Gomes  – Daniela Mercury  “Não não me abandone, não me desespere, porque eu não posso ficar sem você
  44. Jeito Faceiro (1991) Jau/Pierre Onassis – Olodum “O mar, um abrigo que lá está, no ser a felicidade
  45. Me sinto só (1991) Valdir Carvalho – Banda Papaléguas  “Só me sinto só, estou sentindo a falta do teu calor” 
  46. Canto ao pescador (1991) Jau/Pierre Onassis – Cheiro de Amor; Olodum – “Jogou sua rede, ó pescador” 
  47. Doce Obsessão (1992) Cabral/Carlinhos Dias – Cheiro de Amor  “Eu quero te beijar, Te abraçar, Preciso desse amor
  48. Nossa Gente (Avisa lá)  (1992) Roque Carvalho – Olodum “Avisa lá que eu vou chegar mais tarde” 
  49. O canto da cidade (1992) Tote Gira/Daniela Mercury – Daniela Mercury  “A cor dessa cidade sou eu, o canto dessa cidade é meu
  50. Estrela Primeira (1992) Jau/Pierre Onassis – Banda Beijo (Netinho) “To na varanda, amor, me pega nos braços me leva pra cama que eu vou” 
  51. Vem meu amor (1992)  Silvio/Guio – Olodum   “Vem, meu amor, me tirar da solidão
  52. O Bicho (1993) Ricardo Chaves – Ricardo Chaves “É o bicho é o bicho Vou te devorar Crocodilo eu sou”  
  53. Rosa (1993) Pierre Onassis – Olodum “Ah se não me desse seu calor, o que seria de mim” 
  54. Menina me dá seu amor (1994) Bell Marques/Vadinho – Chiclete com Banana  “Daqui do alto eu te vejo, eu te vejo” 
  55. Requebra (1994) Pierre Onassis/Nego – Olodum “Requebra sim, pode falar, pode rir de mim” 
  56. Dia dos Namorados  (1994) Durval Lelys/Tonho Matéria – Asa de Águia  “”Todo dia no mar do Farol, vejo você num banho de sol
  57. Araketu bom demais (1994) Dinha – Araketu “Não dá pra esconder, o que sinto por você Ara” 
  58. Foi por esse amor 1995 Bell Marques Chiclete com Banana  “Foi por esse amor, Teu corpo é tudo que brilha, é a única ilha no oceano do meu desejo
  59. Se você se for (1995) Armandinho/Edney/Zinho – Timbalada  “Não vá, não me deixe nessa solidão”   
  60. Tiete Vips chegou (1995) Cid Guerreiro – Tiete Vips “Tiete vips chegou, êa êa ô” 
  61. Desejo de Amar (1995) Alex André Lelis “Na primeira vez que eu te vi”  
  62. Margarida Perfumada (1996) Carlinhos Brown/Cícero Menezes Timbalada  “Encontrei Margarida perfumada, como dava risada
  63. É o Tchan  (1996) Cicinho Dantas/Bieco – É o Tchan “Segure o Tchan, amarre o tchan, segure o tchan, tchan tchan tchan tchan tchan
  64. Mimar Você (1996) Alain Tavares/Gilson Babilônia – Timbalada  “Eu te quero só pra mim, você mora em meu coração
  65. Milla (1994-1996) Manno Goes – Jheremmias/Netinho “Ô Milla, mil e uma noites de amor com você” 
  66. Beleza Rara (1997) Ed Grandão/Nego John – Banda Eva (Ivete Sangalo) “Hoje sou feliz e canto, só por causa de você” 
  67. Rapunzel (1997) Carlinhos Brown/Alain Tavares – Daniela Mercury  “Love as suas transas de mel, Rá-Punzel, Rá-punzel” 
  68. Água Mineral  (1997) Carlinhos Brown – Timbalada  “Bebeu água? Tá com sede? Olha Olha Olha a água mineral
  69. Minha História (1997) Xexéu/Luizinhoi SP – Timbalada  “A minha história de amor começou, era carnaval, era Salvador” 
  70. Maria Joaquina (1997) Osmarinho e Jorge Moreno – Pimenta N’Ativa “Maria Joaquina de Amaral Pereira Góes, você ‘contriboe’ para o meu viver
  71. Pipoca (1998) Alain Tavares/Gilberto Timbaleiro – Araketu ”O Araketu o Araketu quando toca, deixa todo mundo pulando que nem pipoca
  72. Liberar Geral (1998) Edybinho/Reinaldo Nascimento – Terra Samba “Nada Mal, curtir o terra Samba não é nada mal” 
  73. Dança do Vampiro (1999) Durval Lelys – Asa de Águia  “Levante a mão, entre no clima, batendo palma, na levada do axé” 
  74. Trio Metal (1999) Daniela Mercury/Alfredo Moura/Marcelo Porciúncula/Renan Ribeiro – Daniela Mercury  “Quero ver ô, som do trio elétrico de Osmar e de Dodô
  75. Desafio (2000) Duller/Tonho Copque/Fabio Alcântara/Xanddy – Harmonia do Samba “Se você aceitar o desafio, eu vou cantar um samba pra você dançar
  76. Cabelo Raspadinho (2000) Edu CasaNova/Tenison Delrey – Chiclete com Banana  “Cabelo raspadinho, estilo Ronaldinho, cabelo pintado ou V.O.” 
  77. Bomba (2001) Fabio Zambrana Marchetti. Versão Jorge Zarath – Bragaboys “O movimento é sensual (sensual)
  78. Xibom Bombom (2001) W. Rangel / Rogério Gaspar  – As Meninas “Bom xibom xi bom bom bom”   
  79. Bate lata (2001) Gal Sales/Ivan Brasil/Fábio Nolasco) – Banda Beijo (Gilmelândia) ” Quer aprender, pegue uma latinha e bate uma na outra
  80. Diga que Valeu (2002) Fredson – Chiclete com Banana  “Então diga que valeu, o nosso amor valeu demais” 
  81. Festa (2002) Anderson Cunha – Ivete Sangalo  “E vai rolar a festa, vai rolar, o povo do Gueto mandou avisar
  82. Sorte Grande (2003) Lourenço – Ivete Sangalo  “Poeira, poeira, poeira, Levantou poeira
  83. Voa Voa (2003) Beto Garrido/ Alexandre Peixe – Chiclete com Banana  “Voa Voa Vem direto pros meus braços Quero ter os seus amassos Vem voando pra me ver
  84. Praieiro (2003) Manno Goes – Jammil e uma Noites “”Sou praieiro, Sou guerreiro, To solteiro, Quero mais o quê?
  85. Dandalunda (2003) Carlinhos Brown – Margareth Menezes “Dandalunda, maimbanda, coquê
  86. Maimbê Dandá (2004)  Carlinhos Brown/Mateus – Daniela Mercury  “Vou cantar Maimbê, Pra você se acabar, Maimbê, Maimbê, Dandá”  
  87. 100% você (2005) Beto Garrido/Alexandre Peixe – Chiclete com Banana  “Não dá  pra ficar sem te ver, sou 100% você
  88. Café com Pão (2006) Jau – Afrodisíaco (Jau/Pierre Onassis)  “Vixe mainha, ó neguinha tudo é tão bom”  
  89. Quebra aê (2007) Durval Lelys Asa de Águia  “Quebra aê, Quebra aê olha o Asa aê
  90. Cidade Elétrica (2008) Manno Goes/Jorge Zarath – Claudia Leitte/Daniela Mercury “Cidade elétrica, Nova, antiga Ginga, toca, liga, liga, liga
  91. Cadê Dalila (2009) Carlinhos Brown/Alain Tavares – Ivete Sangalo  “Vai buscar Dalila, ligeiro
  92. Rebolation (2010) Leo Santana e Nenel – Parangolé (Leo Santana) “Rebolation é bom
  93. Liga da Justiça (2011) J.Teles – Leva Noiz “Foge, Foge Mulher Maravilha, Foge, foge com Superman
  94. Parará (2011) Diego Nascimento/Tomate – Tomate “Parará Pará papá
  95. Inventando Moda (2012) Magary Lord, Fábio Alcântara e Kalinde Mayara – Magary Lord  “Colar de negão, luva na mão do jeito Michael Jackson Estranho, hein
  96. Circulou 2012 Magary Lord/ Fábio Alcântara/Leonardo Reis) – Banda Eva (Saulo Fernandes) “Circulou Circulou Circulou É Tão Maravilhoso O Nosso Amor
  97. Raiz de todo bem (2013) Saulo Fernandes – Saulo Fernandes “Salvador, Bahia, território africano Baiano sou eu, é você, somos nós uma voz, um tambor
  98. Lepo Lepo (2013)  Filipe Escandurras/Magno Santana – Psirico (Márcio Vitor)  “Eu não tenho carro, não tenho teto” 
  99. Largadinho (2013) Duller/Fabinho Alcantara/ Samir – Claudia Leitte “Se você quiser pode dançar Largadinho, Largadinho, Largadinho
  100. Forasteiro (2016) Roberto Barreto/Mahal Pita – BaianaSystem  – instrumental 
  101. Santinha (2017) Léo Santana e Rafinha Queiróz Leo Santana  “A santinha perdeu o juízo tomou uma e já ficou louca
  102. Várias Queixas (2012/2020)  Narcizinho Santos/Afro Jhow/Germano Meneghel – Olodum;Gilsons “Várias queixas de você, por que fez isso comigo” 
  103. Zona de Perigo (2023) Adriel Max/Fella Brown/Lukinhas Pierrot Junior / Rafa Chagas / Yvees Santana Leo Santana  “É sensacional o jeito que ela faz comigo, É fora do normal, eu tô na zona de perigo

Que seja uma lista sempre em construção…

As parcerias de Cartola e Noel Rosa

Cartola e Noel Rosa são dois dos maiores expoentes do samba de todos os tempos.

Cartola, nascido em 1908 e falecido em 1980, foi um dos fundadores da Mangueira, e algumas de suas composições se eternizaram no imaginário poular, como “As rosas não falam”, “O mundo é um moinho”, “O sol nascerá”, “Tive sim” entre tantas outras.

Noel, por sua vez, nasceu em 1910 e faleceu bem jovem, em 1937, e exaltava a Vila Isabel. Tem também canções históricas, tais como “Com que roupa”, “Palpite infeliz”, “Conversa de botequim”, “Último desejo”,  apenas algumas das mais de 200 músicas que compôs ao logo da vida.

O que poucos sabem é que Cartola e Noel eram amigos. Segundo João Máximo e Carlos Didier, na biografia que escreveram sobre Noel, este e Cartola se conheceram no Café e Bilhares Maracanã, onde havia encontros fortuitos entre ambos. Um certo dia, Noel foi visitar Cartola, mostrou a ele seus sambas, ouviu o que Cartola tinha a mostrar. Tornaram-se amigos.

Ainda segundo a referida biografia, em 1935, quando o Jornal “A Nação” promove um concurso sobre o maior compositor de escolas de samba, Noel Rosa, convidado a dar seu voto, faz uma defesa veemente: “Cartola merece uma campanha em torno de seu nome. Dos compositores espontâneos, ninguém merece mais do que ele”

A amizade era tanta que Noel passou a frequentar a casa de Cartola. Por diversas vezes, Deolinda (a companheira de Cartola na época) cuidava de Noel nas suas bebedeiras, com água quente e sopa de tutano.

Mas a pergunta que se faz: dois compositores deste quilate nunca tiveram uma parceria?

Segundo Lira Neto, no seu livro sobre a história do samba, há duas parcerias atribuídas pelos pesquisadores a Noel e Cartola. Ambas foram gravadas por Francisco Alves em 1932.

Uma dela é “Rir”, que foi originalmente creditada a José de Oliveira, pessoa absolutamente desconhecida no meio musical. No entanto, um jornal da época já afirmara que a composição seria de Cartola, Noel e Francisco Alves. Ocorre que Chico Alves era conhecido por comprar sambas de compositores e assumi-los como autor ou coautor, tanto que, ná época, chegava a ser chamado de “comprositor”

A outra canção é “Não faz, amor”, foi registrada como uma coautoria entre Cartola e Francisco Alves. No entanto, é de conhecimento público que a segunda parte da canção foi escrita por Noel Rosa. Consta que o nome teria sido omitido por uma dívida que Noel tinha com Francisco Alves e que era paga em sambas.

Para além das duas acima citadas, consta também como da parceria de Noel e Cartola o samba “Tenho um novo amor”, gravada por carmen Miranda em 1932

Por fim, há referência, também, ao samba “Qual foi o mal que eu te fiz?”. Consta que Noel Rosa e Cartola foram pedir um dinheiro a Francisco Alves, num bar do Largo do Maracanã. Francisco Alves, então, teria pago para que os dois fizessem um samba ali, naquele momento. Desse encontro, nasceu em poucos minutos “Qual foi o mal que eu te fiz?”, que foi gravada em 1933.

Deve-se reparar que, na época Noel já era conhecido, e Cartola, embora fosse conhecido no meio musical, era desconhecido do grande público. Inclsuive, é de Cartola um dos primeiros sambas em homenagem a Noel, após sua morte, chamado “A Vila emudeceu”

Fontes:

DIDIER, Carlos, e MÁXIMO, João. Noel Rosa: uma Biografia. Brasília. Linha Gráfica, Unb, 1990

Lira Neto, Uma História do Samba: as Origens. São Paulo, Companhia das Letras, 2017

Pinto, Mayra. Noel Rosa, o Humor na canção. São paulo, Ateliê Editorial, 2012.

https://radiobatuta.ims.com.br/programas/ouve-essa/qual-foi-o-mal-que-eu-te-fiz

A Massa – o grande sucesso do festival MPB80 Raimundo Sodré em parceria com Jorge Portugal

O ano: 1980. A Rede Globo resolve reeditar os festivais da canção, com o denominado MPB 80. Um cantor baiano contagia o público com sua canção, e fica classificado em terceiro lugar. A composição até hoje ecoa… Raimundo Sodré, cantando a sua música, feita em parceria com Jorge Portugal. Seu nome: A MASSA. 

Quando se ouve a introdução, universal e regional, com samba-de-roda e de chula, já se percebe tratar-se de uma canção diferenciada.

A massa é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, a nossa dor é a dor do menino acanhado, do menino bezerro que vira massa no curral do mundo. A mão que amassa a comida, também molda e amassa “a massa dos homens normais”. 

A canção tem uma série de interpretações, desde a crítica social dos meninos marcados que amassama a mandioca em casas de farinha, bem como a desindividualização do homem, que como jerimum amassado, é colocado como parte de uma massa, massa de meninos…

Essa dor se revela num gemido calado, que salta aos olhos, mas parece não haver alternativa a viver nesse moinho de homens, que amassam e são amassados, e a massa amassada é mansa (reparem na aliteração da massa que amassa e mansa é amassada), e que, quando se lembra da massa da mandioca, o que acontece???   

Raimundo Sodré, numa entrevista ao site http://aqueimaroupa.com.br, disse, sobre a canção e sua apresentação no maracanãzinho, em 1980: : 

– Ver aquele mundo de gente cantando A Massa foi muito especial pra mim, lá na frente meu pai pulando e cantando, segurando as bolsas de todo mundo e vibrando comigo! Ficamos em terceiro lugar, atrás de Oswaldo Montenegro e Amelinha. A música já era um verdadeiro sucesso, tocava em todas as rádios do país”, pontua Sodré.

Sobre a inspiração que o levou a compor a música “A Massa”, Raimundo Sodré conta que estava assistindo a um telejornal, ao lado da sua então esposa, a francesa Danielle, e viu uma notícia sobre determinada reivindicação da classe média e uma outra sobre a mandioca, quando deu o “estalo”:

No noticiário em questão, foi exibida uma matéria segundo a qual a classe média brasileira já estava reclamando muito. “E eu disse: ‘Imagine o pessoal da mandioca!’, o pessoal que planta mandioca, porque passa, que não tem nem direito de chorar. Aí, então, nasceu isso: ‘Quando eu lembro da massa da mandioca, mãe/Da massa’. Fiquei com esse refrão desde 1976, até 1977. Foi quando Portugal colocou a letra”, recordou.

– Fui dormir, quando acordei no outro dia, já estava com o refrão da música na minha cabeça, ‘quando eu lembro da massa da mandioca mãe, a massa…’ (cantarola). Ainda falei com minha mulher, imagine o Maracanãzinho cantando essa música… Dito e certo, previ o sucesso! Mas, antes, gravei a música, em 1976, e levei pra Jorge Portugal fazer a letra, aí ele fez e quando eu ouvi, me emocionei demais. Essa música foi coisa de Deus, porque quando peguei o violão para fazer os acordes, eles casavam perfeitamente com o refrão, acho que Deus colocou no meu ouvido… mas, minha maior tristeza é saber que minha mãe não acompanhou o sucesso da Massa, uma pena! – revela o artista.

Ao começar a escrever A massa, Jorge Portugal relatou que se dirigiu à escrivaninha por volta das 11 h e, em pouco mais de dez minutos, já tinha feito a letra. Sodré, quando recebeu o telefonema de Jorge Portugal, se emocionou: “Quando eu peguei a letra, rapaz, eu chorei. Juro que as lágrimas vieram”.

E o que acontece quando a gente lembra da massa da mandioca?? Fazendo referências em inglês e francês, a “massa” pode ser lembrada como uma referência à maconha, quando fala que “nunca mais me fizeram aquela presença“, em que “massa” e “presença” eram gírias referentes ao consumo…

Mas ele deixa claro que a massa que fala “é a que passa fome“, para, em seguida, fazer referências a sambas-de-roda e chulas do Recôncavo Baiano.

Em 23 de agosto de 1980, veio a consagração. Final do festival MPB 80, promovido pela Rede Globo, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Cenário lotado, uma apresentação que deixou o público de pé, como se pode ver no vídeo. Raymundo Sodré, de macacão branco e sem camisa, de chapéu e seu violão, fez uma apresentação inesquecível. Ficou em terceiro lugar, atrás de Foi Deus quem Fez Você, de Luiz Ramalho, interpretado por Amellinha, e a campeã foi Agonia, de Mongol, na voz de Oswaldo Montenegro.

A dor da gente é dor de menino acanhado
Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar
Que salta aos olhos igual a um gemido calado
A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

Moinho de homens que nem jerimuns amassados
Mansos meninos domados, massa de medos iguais
Amassando a massa a mão que amassa a comida
Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais

Quando eu lembro da massa da mandioca mãe, da massa
When I remember of “massa” of manioc
Nunca mais me fizeram aquela presença, mãe
Da massa que planta a mandioca, mãe

A massa que eu falo é a que passa fome, mãe
A massa que planta a mandioca, mãe
Quand je rappele de la masse du manioc, mére
Quando eu lembro da massa da mandioca

Lelé meu amor lelé no cabo da minha enxada não conheço “coroné”
Eu quero mas não quero (camarão).
Minha mulher na função (camarão)
Que está livre de um abraço,
mas não está de um beliscão

Torno a repetir meu amor: ai, ai, ai!
É que o guarda civil não quer a roupa no quarador
Meu Deus onde vai parar, parar essa massa
Meu Deus onde vai rolar, rolar essa massa

No canal de Danilo Ribeiro no Youtube, Jorge Portugal contou de onde veio a inspiração da letra:

A dor da gente é dor de menino acanhado

“É aquela dor que nunca se expressa. Um menino acanhado é um menino tímido, um menino que está oprimido. Todos nós estávamos sob o regime militar, a ditadura militar.”

Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar/Que salta aos olhos igual a um gemido calado

“Aquele gemido do menino acanhado, que não expressa”, e que salta aos olhos da sociedade.

A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

“Mal-assombrado era a ditadura.”

Moinho de homens que nem jerimuns amassados/Mansos meninos domados, massa de medos iguais

Nessa parte, Portugal descreveu, em algumas frases, a opressão recorrente na ditadura.

Amassando a massa a mão que amassa a comida

“Que distribui a comida, a sobrevivência.”

Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais

“São aqueles que não se rebelam, aqueles que não questionam, aqueles que estão em estado de letargia, de alienação, e que, portanto, são manobrados por aqueles que, na verdade, amassam a massa e têm toda a riqueza em suas mãos.”

Quando eu lembro da massa da mandioca, mãe/Da massa… (refrão)

A partir do “Lelé, meu amor, Lelé/No cabo da minha enxada/Não conheço o coroné”, é um pot-pourri dos sambas e chulas.

Fonte: http://aqueimaroupa.com.br/2010/07/25/sodre-o-cantador-das-dores-e-amores-da-massa/

https://hugogoncalvesjor.blogspot.com/2020/07/raimundo-sodre-e-jorge-portugal-contam.html

Quando lembro da massa da mandioca, mãe…

Diana

Em 1957, uma música de acordes simples e que relatava um amor adolescente não correspondido se eternizou na música americana e ganhou inúmeras regravações e versões pelo mundo todo: me refiro à canção Diana, de Paul Anka, que se tornou imediatamente um sucesso mundial. Quem nunca ouviu a célebre frase: “Oh, please stay by me, Diana

Resta saber quem era a musa por detrás desta canção, e como ela repercutiu na época. Em muitos sites, relata-se que Diana seria a babá de Paul Anka, e que ela seria 5 anos mais velha que ele. Nenhuma das versões é verdadeira.

Paul Anka, canadense de ascendência libanesa, escreveu esta canção em Otawwa quando tinha 16 anos, dedicado à Diana Ayoub, que uma amiga que tinha 18 anos na época (dái a primeira frase – “I’m so young and you’re so old”)

No livro musica e musas, deMichael Heatley e Frank Hopiksom (ed. Gutemberg, 2011), relata-se a paixão nãop realizada do adolescente Paul Anka por Diana Ayoub:

 Diana simplesmente não estava interessada. Como ela relembrou anos mais tarde: “Minha amiga disse que ele estava apaixonado por mim, e eu repondi: ´Não seja ridícula, ele é nosso amigo”, Mas Paul estava de fato apaixonado e, quando criou coragem para mostrar a Diana sua nova canção, só conseguiu tocá-la no piano, encabulado de mais para cantar as palavras que declaravam seu amor. Ele então passou a cantá-la em festas, na esperança de que a letra chegasse até Diana.

 Ele visitava a casa dos Ayoub, sob qualquer pretexto, de manhã, de tarde e de noite. Mas, se o pai de Diana já estava se cansando da intrusão persistente, isso não era nada em comparação à perturbação que a família teve que enfrentar no ano seguinte, quando a canção se tornou sucesso internacional.

 Em sua autobiografia de 2013, o cantor se referiu a Ayoub como sua “paixão adolescente”,

Eu tinha esse talento para cantigas adolescentes estúpidas em um momento em que os adolescentes queriam ouvir cantigas adolescentes simples. Eu era um garoto solitário e sabia que havia muitos de nós por aí. Eu veria outros garotos solitários aos pulos quando eu tocasse. Colocar a sua cabeça no meu ombro – esse era o seu objetivo naquele fim de semana… além de talvez ganhar um beijo e colocar a mão na blusa dela. Tudo isso eu entendi muito literalmente pelo simples fato de ser adolescente. Eu mesmo estava passando por todas essas emoções. Não questionei, não tentei ser inteligente. O que eu estava escrevendo e interpretando era apenas um lamento descarado de adolescente. Todas essas coisas iniciais eram intensamente pessoais, baseadas no que eu sabia, que era bastante básico.

Assim que “Diana” se tornou um sucesso, começaram a circular histórias sobre como ela foi escrita. Publicaram interminavelmente que minha paixão adolescente, Diana Ayoub, era minha babá. Eu simplesmente cansei de apagar aquele fogo, então deixei-o viver. Foi uma pequena história fofa. Isso foi nos anos cinquenta. Se você fosse um garoto de dezesseis anos, só namoraria uma garota mais nova que você. A situação oposta era apenas um tabu naquela época. E Diana não era apenas mais velha que eu, ela era muito mais sofisticada.

“DIANA” foi editada em 1957 por Joe Sherman, outro compositor americano. A música foi lançada naquele mesmo ano, em um compact disk da gravadora Gold rotulado “The Lovely Boy”, tendo lado B a música “DON’T GAMBLE WITH ME”. A repercussão não poderia ter sido melhor: a canção estourou nos Estados Unidos, Reino Unido e, por conseguinte, no resto do mundo. Foi o compacto mais vendido do ano e “DIANA” foi parar no topo das paradas de sucesso.

Paul Anka se tornaria um dos cantores mais populares da América e do mundo inteiro, cujo sucesso maior foi justamente uma canção inspirada naquela moça, sendo o título desse hit exatamente o nome da musa.

Diana Ayoub não imaginava que Paul Anka era apaixonado por ela: “Eu absolutamente não tinha a menor ideia”, disse ela à CBC em 1997. “Eu o encorajei muito e pensei que éramos apenas amigos”. Diana, apesar de ter se divertido inicialmente com o sucesso da canção, depois não ficou muito feliz com a repercussão da música: “Eu não esperava que fosse tão grande; estava em todo o mundo, você sabe, eu não poderia ir a lugar nenhum. Fui seguido por espiões, foi muito selvagem.”

Outras frases ditas por Diana:

“Havia repórteres esperando por mim na minha formatura do colegial”.

“Os rapazes não me convidavam para sair porque no dia seguinte o retrato deles sairia no jornal.

Por alguns meses, a vida de Diana Ayoub se tornou difícil: ela era espionada e perseguida pela imprensa, constantemente importunada por repórteres em busca de detalhes pessoais seus ou de Paul.

Diana permaneceu em Ottawa, casou-se, formou família e foi trabalhar, tornando-se gerente de um armazém de atacado de roupas chamado Divine Liquidation. Faleceu em 2022, aos 83 anos.

A letra da canção:

​I’m so young and you’re so old
This, my darling, I’ve been told
I don’t care just what they say
‘Cause forever I will pray
You and I will be as free
As the birds up in the trees
Oh, please stay by me, Diana

Thrills I get when you hold me close
Oh, my darling, you’re the most
I love you but do you love me
Oh, Diana, can’t you see
I love you with all my heart
And I hope we will never part
Oh, please stay by me, Diana

Oh, my darlin’, oh, my lover
Tell me that there is no other
I love you with my heart
Oh-oh, oh-oh, oh don’t you know
I love you, I love you
So only you can take my heart
Only you can tear it apart?
When you hold me in your loving arms
I can feel you giving all your charms
Hold me, darling, ho-ho hold me tight
Squeeze me baby with-a all your might

Oh, please stay by me, Diana
Oh, please, Diana
Oh, please, Diana

Fontes:

Músicas e Musas: A Verdadeira História por Trás de 50 Clássicos pop: r Michael Heatley (Autor), Frank Hopkinson (Autor), Cristina Bazan (Tradutor), Christiane de Brito Andrei (Tradutor). Gutemberg, 2001,

https://filomusicology.blogspot.com/2016/01/elas-se-tornaram-cancao-diana-paul-anka.html

https://www.cbc.ca/news/canada/ottawa/diana-paul-anka-obituary-1.6672005

My Way. Uma autobiografia (Paul Anka)

Moraes Moreira no Museu de Arte da Bahia

O dia 8 de novembro de 2023 é o último dia em que está em exposição, no Museu de Arte da Bahia, a mostra Mancha de Dendê Não Sai – Moraes Moreira, que apresenta a trajetória musical de Moraes Moreira, um dos mais relevantes artistas baianos e brasileiros.

A trajetória de Moraes é contada desde sua história em Ituaçu, quando se interessava pela sanfona; a vinda para Salvador, quando foi apresentado a um de seus maiores parceiros musicais (Galvão), que foi a gênese dos Novos Baianos.

Narra a influência de João Gilberto para a sonorização do grupo, quando ele e Pepeu Gomes “roubavam” acordes de João quando ele ia tocar violão com os Novos Baianos.

Conta sua trajetória como primeiro cantor do Trio Elétrico, e sua parceria com Armandinho, Dodô e Osmar.

Trata de suas inúmeras parcerias musicais, de Fausto Nilo a Marisa Monte; Paulo leminski a Antonio Risério; Pepeu Gomes, Armandinho, Galvão, seu filho Davi.

A exposição começa contando a história de Moraes Moreira, com os textos pulverizados em plaquinhas de madeira trançadas, que conta sua trajetória pessoal e musical. A cenografia é de Renata Mota, a direção-geral é de Fernanda Bezerra.

Um dos destaques é sua releância e importância para o carnaval da Bahia. Nos anos 70 e prineira metade dos anos 80, Moraes Moreira era o verdadeiro rei do Carnaval da Bahia, e seus frevos trieletrizados, ijejás, sua mistura de ritmos foi fundamental para a grandeza da festa carnavalesca.

A mostra ainda contempla depoimentos de muitos parceiros de Moraes, contando histórias sobre experiências e composições, tem imagens de Moraes em cima do trio elétrico, tem áudios com suas poesias e literatura de cordel, e uma imagem marcante de seu violão cercado de microfones em volta.

É uma mostra que homenageia Moraes para quem o admira, e também interessanete para quem ainda não o conhecia. Importante legado de um dos artistas mais completos do Brasil.

Arca de Noé – Vinicius de Moraes

Há uma tendência de que todo adulto se lembre de seu tempo de criança como o melhor de todos os tempos. Os brinquedos, os costumes, as guloseimas, as músicas  e os programas de TV. No entanto, é difícil encontrar um musical infantil que se compare à Arca de Noé, programa da TV Globo lançado em 1980 para o Dia das Crianças.

O programa de Augusto Cesar Vanucci, com roteiro de Ronaldo Bôscoli, tem como inspiração um conjunto de poesias “Arca de Noé”, lançado por Vinicius de Moraes em 1970. Na primeira versão, participaram do projeto Toquinho, Chico Buarque, Milton Nascimento, Elis Regina, Marina Lima (então só Marina), Moraes Moreira, Alceu Valença, Ney Matogrosso, Bebel Gilberto, Frenéticas, Fabio Jr., Boca Livre e Walter Franco.

Ainda hoje, assistindo o especial, numa precária cópia gravada em VHS, percebe-se a riqueza musical, que se inicia de modo solene, com Chico Buarque narrando um primeiro trecho da poesia, que se transforma em canção na voz de Milton Nascimento. A narrativa dos animais amontoados na arca, e depois a saída dos animais:  

Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida.

Depois da canção de abertura, vem “A porta”, com Fábio Jr., em que a porta “fecha a frente do quartel“, mas que “só vive aberta no céu”. 

Depois começa, enfim, o desfile dos bichos, e Vinicius escapa dos bichos óbvios, começa com a circense “a foca”, com Alceu Valença, que apresenta as focas americana (“rica, rica, mas que não dá para ninguém”), a foca francesa, cheia de plumas e paetês, ao som da Marselhesa, ao fundo, e a Foca Brasileira,que caiu, porque não tem sardinha.

Tem Elis Regina, cantando a “feia e esquisita” Coruja, Bebel Gilberto, adolescente, cantando a pulga que vai atrás do freguês encher a barriguinha, Moraes Moreira louvando as abelhas operárias e fazendo troça da abelha rainha que “engorda a pancinha e não faz mais nada”.

A canção “O pato”, na interpretação do MPB-4, foi uma das músicas de mais sucesso do especial, pois conta de modo bem humorado as agruras de um pato atrapalhado, que se mete em confusões com galinha, com marreco e que, por causa disso, acaba na panela. (Mas no programa, a menininha Aretha liberta o patinho do forno…)

Em seguida tem Ney Matogrosso, absolutamente discreto, cantando lindamente a Oração de São Francisco, acompanhado de um violão.

Marina faz uma bela interpretação de “O gato”, para em seguida o Boca Livre cantar “A casa” , sem teto, sem chão, sem parede, sem penico, na Rua dos Bobos, número zero…

Pode parecer estranho que, num disco e programa sobre a Arca de Noé, haja uma divertida e maliciosa interpretação das Frenéticas e os solfejos da aluna e do professor nas aulas de piano.

O site http://caracol.imaginario.com/discoteca/arcadenoe/index.html, esclarece:

Até aula de piano tem. Onde o poeta buscou inspiração para colocar uma aula de piano nessa arca? 

Ele era um homem de muitas leituras e escutas. Provavelmente conhecia a obra do músico francês Camille Saint-Säens, autor de O Carvanal do Animais. Pois bem que nesse desfile, além de cangurus, galos e galinhas, leão, burro, musaranho, cisne, até aquário e fósseis, aparecem os pianistas… e, como o colega francês, o poeta brasileiro tratou de incluir uma aula de piano na roda de tantos bicos, bocas, bigodes, pêlos e penas. Acredita? Outra curiosidade: Vinícius de Moraes, anos antes de escrever A Arca de Noé, ter traduzido o livro Orações na Arca, da religiosa francesa Carmen Bernos de Gastold.    

Terminando o disco com a tranquila “O relógio”, com Walter Franco, e o encerramento com a bela “Menininha”, interpretada por Toquinho, como uma prece pela eternização da infância, como uma saudade antecipada de quem quer que a criança continue criança a vida inteira.

Um especial fantástico e atemporal. Assim como Vinícius. A Arca de Noé foi escrita inicialmente por Vinícius para seus filhos Suzana e Pedro. No site oficial de Vinícius, a história é contada:

 Por muitos anos, eles ficaram guardados. Só em 1970, o conjunto de poemas infantis ganha o mundo. Seu lançamento ocorre na Itália, país onde a presença do poeta era constante, seja através de diversas visitas e temporadas ou de traduções de sua obra. 

É lá, justamente quando Vinicius conhece um amigo de Chico Buarque chamado Toquinho, que o disco com os poemas infantis é preparado. O disco é chamado L’Arca. No mesmo ano, seus poemas musicados na Itália são lançados em livro no Brasil. Dez anos depois, dois discos dedicados ao conjunto de poemas infantis de Vinícius também são lançados no país, com o mesmo nome do livro. 

A Arca de Noé tornou-se um dos livros mais populares de Vinicius de Moraes por ter criado um laço com as crianças. Todas as gerações têm nos seus poemas uma porta de entrada no mundo da literatura e da música popular brasileira. Ao mesmo tempo, no âmbito musical, foi o primeiro trabalho que apresentou a ele Toquinho, parceiro até o fim da vida. 

https://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/livros/arca-de-noe

Eu também quero beijar… ou Béjart?

Um dos grandes sucessos de Pepeu Gomes, “Eu também querio Beijar”, com um daqueles riffs  de guitarra que terminam por identificar a música, tem uma história bem curiosa.

A letra da canção, que trata de coisas boas, que eu lírico também quer beijar. Só que a origem não tem nada a ver com a ideia de beijo, mas da visita de um coreógrafo ao Brasil depois de quase 20 anos. 

Tratava-se de Maurice Béjart, que fazia sucesso no mundo inteiro (a sua coreografia do Bolero de Ravel é uma referência em todo mundo), e que, depois de muito tempo, viria ao Brasil. 

A história da letra é contada por Ruy Godinho, no terceiro volume do Livro “Então, foi assim? Os bastidores da criação musical brasileira” 

Estávamos em 1981. O general João Baptista Figueiredo, último presidente militar a governar o país, reafirmava o projeto de abertura política iniciado no governo anterior. Mais uma vez, o Rio de Janeiro teria o privilégio de receber o balé do famoso coreógrafo francês Maurice Béjart, da Opera National de Belgique. Béjart tinha uma grande ligação com o Brasil. Havia se apresentado aqui em 1963. Apesar do êxito da apresentação de sua companhia e a afeição que sentiu pelo país, só aceitou retornar em 1979, com o processo de abertura. Não concordava com o regime autoritário imposto pela ditadura. Naquele ano, o público lotou o Teatro Municipal do Rio de Janeiro para ver Béjart ao lado da bailarina brasileira Laura Proença. Ele não dançava havia dez anos.

No Rio, não se falava noutra coisa. Nos lares, nos bares, nas ruas. Ninguém queria perder Béjart. Todos queriam ver Béjart. Era Béjart pra cá, Béjart pra lá.

 Segundo Pepeu: “A gente fez essa música quando o Maurice Béjart, aquele coreógrafo, dançarino, estava no Rio de Janeiro. Eu estava andando muito com o Moraes na época. Mesmo pós-final dos Novos Baianos, a gente sempre teve uma ligação grande, a gente é meio padrinho dos filhos [um] do outro. E quando a gente ia ao Baixo Leblon, as pessoas ficavam dizendo: ‘Poxa, vamos ver o Béjart, eu também quero Béjart’. Aí a gente ficou com essa ideia na cabeça e fez Eu também quero beijar [risos]. E a música tornou-se um grande sucesso, foi uma alegria, foi o meu primeiro disco de ouro e tudo”, conclui Pepeu Gomes.

 O mote surgiu da presença de Béjart no Brasil. Porém, o letrista Fausto Nilo, convidado a participar da parceria, foi buscar elementos do folclore de Quixeramobim, no interior do Ceará, sua cidade natal, na contribuição que deu para o desenvolvimento da letra.

“Eu morava em Copacabana, na Tabajaras, ali perto do Teatro Opinião. O Moraes morava numa travessinha no Jardim Botânico, perto do Parque Lage”, começa seu relato o letrista cearense. “E, um dia, ele me ligou dizendo: ‘Cara, tô eu e Pepeu aqui. Estamos fazendo uma melodia interessante, não quer vir pra cá’? E eu fui. Quando cheguei, a música já estava quase pronta, eles estavam cantando com muito entusiasmo. Já estava bem-avançada. E eu, com o meu caderninho, comecei a anotar umas palavras. Normalmente eu conduzia, mas eles estavam participando, o Moraes dava palpite e tal. E fizemos. Deu certo, fizemos tudo, mas o refrão ninguém encontrava uma boa solução. Essa é minha versão”, preocupa-se Fausto com a fidelidade do relato.

Fausto Nilo

“O refrão, o Moraes disse assim:

‘– Eu tive uma ideia aqui. Eu fui ontem ver o Béjart, o bailarino, rapaz, no Teatro Municipal’!

E elogiou muito:

‘– Que coisa fantástica, aquilo é sensacional’.

E nessa conversa ele sugere:

‘– Por que a gente não põe assim: eu também quero Béjart’?

E como a loucura era grande, a gente cantou, achou bom, e ficou Eu também quero Béjart. A flor do desejo do maracujá… Já na parte que diz: haja fogo, haja guerra, isso é uma música lá da minha terra, de domínio público, do reisado. Só que lá a melodia tem outra forma: haja fogo, haja guerra, haja guerra que há/haja fogo, haja guerra, haja guerra que há/morreu secretário chegou general/haja fogo, haja guerra, haja guerra que há [Fausto canta com outra melodia]. E foi ficando uma coisa louca: haja fogo, haja guerra… eu também quero Béjart. E aí terminamos, a música ficou pronta e fomos tomar um cafezinho. Quando voltamos e pegamos de novo, eu falei assim:

‘– Cara, vamos ver uma ideia aqui porque não sei se o povo vai sacar essa história de Béjart, né? Essa música é muito popular e tal. Vamos simplificar pra Eu também quero beijar’. Como todo mundo quer beijar, pronto, ficou isso aí”, conta Fausto Nilo.

Maurice Béjart

Eu também quero beijar foi registrada originalmente no LP Pepeu Gomes (WEA, 1981); posteriormente, no CD Moraes e Pepeu no Japão (WEA, 1991); no CD Meu Coração – Pepeu Gomes (Trama,1999); e no CD Hits e Dubs – Cidade Negra (Epic/Sony Music,1999).