O que se quer – Marisa Monte e Rodrigo Amarante

O dueto com  Rodrigo Amarante (em “O que se quer”) é um dos pontos altos do disco de Marisa Monte, “O que você quer saber de verdade”, em 2011. É uma música gravada em primeira pessoa. Música alegre, leve, descontraída, em que o eu-lírico dialoga com alguém  (que pode ser tanto uma pessoa determinada quanto indeterminada) reafirmando que vai viver o amor, a paixão, o desejo.  

Nesse diálogo, o eu-lírico diz para seu interlocutor que ele pode falar, advertir, escrever, que não vai adiantar, pois de nada adianta dizer que viver aquilo é loucura, besteira, ou noutras bobagens do tipo, pois o eu-lírico está disposto a se entregar, pois, naquela situação, “quem não faria?”

A canção fala de alguém que não vai hesitar em se entregar ao desejo, estando disposto a pagar para ver onde vai dar essa manifestação, mesmo com todas as possíveis advertências e admoestações. 

E não há dúvida de que o ímpeto de se entregar ao desejo é maior, e a certeza de que vai valer a pena superar as restrições de algo certamente complicado, proibido, cheio de perigos, medos e circunstâncias, e não recomendado pela razão. 

E nesse risco, de viver o desejo sem culpa, sem medo daquilo que a sorte, ventura ou destino determinam, e, desta forma “sabe quem quer, sabe quem tem, o que se quer“.

Uma nota interessante sobre esse dueto, é a leveza da composição, cuja maior parte da letra é de Amarante, contrastando com as composições predominantemente melancólicas da época dos Los Hermanos, e com as canções solo de Marcelo Camelo. 

Marisa Monte e Rodrigo Amarante. | Cantores, Musica, Marisa monte
Marisa Monte e Rodrigo Amarante

Rodrigo Amarante canta e toca em ”O que Se Quer”: violão, viola, teclados, baixo, drum machine e percussão;


Sendo a primeira parceria de Marisa e Amarante, ela, numa entrevista que deu a Adriana Calcanhotto, disponível no próprio site oficial da cantora (http://www.marisamonte.com.br/pt/conversas/conversa-com-adriana-calcanhoto), ela conta como se deu essa parceria, que acabou se transformando num dueto…

O Que se Quer - Marisa Monte e Rodrigo Amarante (cover por Bruno Fonseca e  Nicole Della Courtte) by Bruno Fonseca playlists on SoundCloud

Marisa: (…) a música que eu me lembro de ter feito durante o processo foi consequência da minha passagem por Los Angeles, quando encontrei o Rodrigo Amarante. Eu nunca tinha feito nada com ele, mas existia uma vontade mútua. Um dia a gente se encontrou no estúdio porque a gente gravou uma música para o último Red Hot + Rio, “Nu com a minha música”, de Caetano Veloso e Devendra Banhart. Durante esse tempo em que a gente estava no estúdio, pintou a ideia de uma música. Ela já veio com algumas palavras, uma coisa que a gente fez junto na hora, já com alguns pedacinhos de letra. Depois, ele continuou sozinho. Quando ele veio ao Rio, ele trouxe o que ele tinha feito. Aí, demos aquela arredondada e eu achei que ela tinha a ver com o resto do disco todo. Ela fala sobre saber o que se quer e sobre pagar o preço do que se quer, mesmo parecendo loucura para todo mundo em volta. A música é na primeira pessoa e ela diz: “Vá, pode falar, pode escrever, eu vou me entregar”. É sobre o reconhecimento e a conquista do desejo.

Bem, se alguém quer viver algo que sua sensibilidade diz ser especial, e sabe que ouvirá conselhos “razoáveis” em sentido contrário, recomendo que se escute a canção “O que se quer”… talvez seja o empurrão que o desejo precisa para se tornar real… e não é que pode valer a pena? 

A letra: 



Pode falar
Pode escrever
Eu vou me entregar
No meu lugar
Quem não faria
Diz que é loucura
Diz que é besteira
Mas eu não vou ligar
Não tente entender
E o tempo dirá
A sina é sonhar
Eu pago pra ver
Qual meu lugar
Que a vida é um dia
Um dia sem culpa
Um dia que passa
Aonde a gente está
Mas se eu tenho tanto a perder
Eu perco é o medo
Do que a sorte lê
Sabe quem quer
Sabe quem tem
O que se quer 

Pérola Negra, te amo, te amo…

“Pérola Negra”, de Luiz Melodia, é uma dessas músicas atemporais. Como num diálogo do eu-lírico à pessoa amada, a letra mistura uma série de conselhos e exortações, em que pede que o objeto do desejo tente fazer algumas coisas, muitas das quais com o objetivo de despertar empatia “tente passar pelo que estou passando…/ tente usar a roupa que estou usando”

E continua com um pedido em que a pessoa amada diga ao eu-lírico, seja com sangue escrito num pano, seja num quadro em palavras gigantes… “Pérola Negra, te amo, te amo”, embora o próprio eu-lírico suscite dúvidas se mesmo ama…

Muito se diz sobre quem seria a inspiração da canção, embora pareça, pela letra, que o “Pérola Negra” é o próprio Luiz Melodia. A lenda mais conhecida é que seria um travesti que seria apaixonado por Luiz.

Numa entrevista concedida a José Mauricio Machline, no programa “Por Acaso”, em 2003, ele afirmou:

Luiz Melodia: no dia seguinte, o seguinte falhou – M.O.V.I.N [UP]

Era um travesti muito amigo, muito amigo mesmo. Edilson, não é vivo hoje . e quando eu compus a música, o nome era “My black, meu nego”. O Waly Salomão era muito meu amigo –   como é até hoje – e estava sempre lá no São Carlos onde fui nascido e criado, onde vira e volta ainda visito meus amigos e tal. Ele deu a ideia de pôr o nome do Pérola Negra que era esse travesti né. E daí por diante depois que a música saiu foi sucesso, aconteceu na voz de Gal Costa e enfim ficou conhecida, e aí começou esse papo que eu tinha feito essa música pro Edilson que é esse travesti o Perola Negra no caso.

Mas a história está bem contada no livro que Toninho vaz escreveu sobre Luiz Melodia, chamado “Meu Nome é Ébano”

Foi nessa época (1969) que Luiz compôs a música que representaria um salto de qualidade nas suas composições, algo bem mais elaborado, tanto na letra quanto da melodia. A música foi batizada por ele de “my black, meu nego”, referência ao estilo de certa moça para a qual ele direcionava seus olhares apaixonados. A fonte de inspiração se chamava Marlene Selix, tinha 15 anos e morava na Freguesia, Zona Norte da cidade (Luiz tinha 18 anos na época). Era sobrinha de Antonio, colega de farda de Luiz no quartel. Um dia, Luiz foi conhecer a família do amigo e… aconteceu.

Mas há controvérsias, pois outras duas mocinhas, de nome Rosângela, também foram apontadas por amigos como as verdadeiras pérolas negras. E havia também uma terceira hipótese, um travesti do Estácio chamado pérola negra, que teria inspirado o nome.

Mas a inspiração verdadeira para a música era mesmo a Marlene da Freguesia, como confidenciou Luiz ao programa Fantástico.

Numa entrevista no Fantástico, Luiz Melodia recordou a composição. “Pérola Negra é uma mulher. Mas tinha composto pra uma menina que eu namorava na época em que estava servindo o Exército. A mulher brasileira é uma fonte, posso dizer assim, de inspiração em cinquenta por cento das minhas composições”, disse.

Para o Jornal “o Dia”, em 2013, Melodia disse que compôs “inspirado por uma menina com quem eu saía quando tinha uns 18 anos. Mas eu era o segundo cara. Quando o namorado dela chegava, eu tinha que sair correndo pelos fundos”.

Já em 1970, Luiz tocou, Waly Salomão ouviu a música, adorou, mas foi incisivo em relação à letra: Não precisa ser em inglês. Deve se chamar, Pérola Negra, como está no refrão.

LUIZ MELODIA- PÉROLA NEGRA (ORIGINAL) - YouTube

Waly apresentou Luiz Melodia a Gal Costa, que se impressionou com o talento de Luiz e pediu uma canção a ele.

75 Anos de Waly Salomão — Rádio Senado

Ele então, compôs para Gal a canção “Presente Cotidiano”, cuja letra foi vetada pela censura federal na época. Assim, Waly sugeriu e a música de Luiz melodia escolhida foi “Pérola Negra”, que foi inserido num dos shows icônicos de Gal: “Fa-tal: Gal a todo vapor”.

Presente cotidiano (feat. Gal Costa) - Luiz Melodia - Video - Music Store

Embora Ângela Maria tivesse gravado Pérola Negra em 1971, foi com a voz de Gal que Luiz se torou conhecido,  quase quando estava desistindo da música…

Pro dia nascer feliz…

“Pro dia nascer feliz” pode ser considerada a música que lançou o Barão Vermelho ao estrelato. Catapultada pela gravação de Ney Matogrosso, e definitivamente consagrada quando executada pelo Barão Vermelho no Rock in Rio, em 1985, a canção tem uma letra e uma história curiosas…

Pro Dia Nascer Feliz - song by Barão Vermelho | Spotify

No livro “Cazuza: preciso dizer que te amo”, conta-se um pouco da história da canção.

Cazuza- “A noite é uma opção de vida. Gosto de acordar tarde e dormir com o sol nascendo. Por isso, ‘Pro Dia Nascer Feliz’ é a história da minha vida.

Frejat – “É claramente a história de uma trepada que durou até o dia seguinte. Não tenho a menor ideia de com quem foi. E nem em que noite isso aconteceu… Mas nós dois sabíamos que essa música ia ser boa. Já pela letra no papel, sabíamos que ela iria funcionar.”

Cazuza – “Tem gente que se irrita porque eu canto que todo mundo vai pegar a sua pasta e ir pro trabalho de terno. E eu vou dormir depois de uma noite de trepadas incríveis. Mas o dia-a-dia não é poético. Todo mundo dando duro e a cada minuto alguém é assaltado ou atropelado. Então, vamos transformar esse tédio numa coisa maior. Li uma vez que você vive não quantas mil horas e pode resumir tudo em apenas cinco minutos. O resto é apenas dia-a-dia. Um olhar, uma lágrima que cai, um abraço… Isso é muito pouco na vida. Mas, para mim, é tudo. Eu prefiro não acreditar no Day after, no fim do mundo, no apocalipse. Um dia, ainda vou andar na nave espacial Columbus. Bêbado, lógico. Mas vou andar.

E o espírito da música é justamente este. De uma diversão que começa junto com a noite, em que a sessão coruja começa procurando vaga no vai e vem dos quadris. Notadamente uma grande farra durante a noite que vara a madrugada.

Aventuras na História · O intenso caso de amor de Cazuza e Ney Matogrosso

Mas a história da música – e talvez, do próprio Barão Vermelho, se não fosse a  mesma se não fosse Ney Matogrosso.

Frejat – “Foi importante que as pessoas começassem a procurar o disco da gente. O Barão era conhecido como grupo maldito. De repente, nosso segundo disco teria passado em branco se o Ney não comprasse essa barra.”

Ney conta um pouco desta história, na sua Biografia “Vira-lata de raça”

Conta que ele e Cazuza tiveram um breve romance em 1979, quando ele era o fotógrafo da Som Livre, e que durou apenas 3 meses. Quando o Barão Vermelho surgiu, Cazuza presenteou Ney com um disco. Ele adorou “pro dia nascer feliz e resolveu gravá-la.

Cazuza conta a história:

“O Ney chegou lá em casa, tocou a campainha. A empregada atendeu me acordou dizendo: ‘Ney Matogrosso está aí’. Eu resmunguei: ‘Traz a Gal Costa também’. E eu continuei dormindo. O Ney foi ao quarto e começou a bater na minha cara gritando para eu acordar e ganhar dinheiro. Ele ouviu o disco ‘Barão Vermelho 2’ e resolveu gravar ‘Pro Dia Nascer Feliz’. Eu disse: ‘Não. Pelo amor de Deus, é nossa música de trabalho. Grava outra’. Ele bateu pé. E acabou sendo nossa fada-madrinha. O Ney provou que o Barão é viável. E gravou o mesmo arranjo. Discutiu com a gravadora, que não queria botar a música de trabalho no disco dele, e soltou na rua”.

E a música ganhou o embalo necessário que catapultou o sucesso do Barão Vermelho…